O Senhor Guardião, um Exú da Capa Preta já me mostrou uma certa vez que o perdão é uma chave que abre todas as portas.
Como seria isso, se eu perdoo o outro que me machuca, que trai, que assalta, que me magoa, que me agride?
Não seria o perdão a chave da prisão desse outro e não minha?
Se assim for, sou eu a dona da liberdade daquele que erra para comigo e ele depende de mim para libertar-se.
Pois examinando bem a minha consciência, percebo que o perdão que me
dão pelos meus erros não é condição suficiente para me libertar das
culpas que carrego.
- Exú, que chave é essa?
- De onde vem?
- É uma chave quase mágica, de poderes ilimitados, diz ele.
então ele me faz ver ao longo de minha vida, a força e o poder de cada
perdão sincero que concedi. O perdão me liberta das lembranças de todo
mal que me foi feito, me limpa a alma. Retira de mim todo ódio, todo
rancor, todo desejo de vingança. Deixa-me leve como uma pluma que
flutua.
- Olha, filha, ele diz.
E eu olho as manchas
que carrego em decorrência de meus atos que atentaram contas as leis
supremas. A cada perdão concedido elas vão se enfraquecendo e já não me
consome tanto a culpa que antes me açoitava o coração.
Um peso
vai sendo retirado das minhas costas a cada vez que decido deixar as
cobranças com aquele que tem poder e autorização para isso.
- Agora veja, criança, observa ele mais uma vez.
E vai me mostrando a fila de cobradores que atordoada vai fazendo meia
volta e retornando. A Lei suprema não permite que eles me cobrem
daqueles erros que já fui capaz de perdoar.
Respiro aliviada ao
sentir que aquilo que me ligava a eles já não existe mais, meus últimos
sentimentos de rancor vão se evaporando e no lugar deles sinto uma
profunda compaixão até por estes que estavam a me cobrar e que um dia
prejudiquei. Mas, estranho não sinto mais culpa. Ela se foi... Olho para
esse guardião da longa capa preta e ele me diz:
- Filha estende os braços agora.
Estendo os dois braços e vejo algemas aprisionando meus pulsos. Ele
pega a chave do perdão que me havia mostrado pouco antes e abre as
algemas.
- Para sempre? Eu pergunto, já sem contes as lágrimas.
E ele responde:
- Enquanto você tiver merecimento para carregar essa chave do perdão
que conquistou, não haverá algemas ou portas que possam lhe prender.
Poderá transitar por todos os lugares sem medo de que alguém venha lhe
cobrar por dívidas que hoje você é capaz de perdoar. Entende agora,
filha?
- Entendi, Senhor Guardião, naquele dia, que o perdão
que eu penso que concedo ao outro é a mim mesma que eu concedo.
Perdoando o outro daquilo que me faz hoje eu perdoo a mim mesma pelo que
fui capaz de fazer aos meus irmãos em tempos remotos, dos quais não me
lembro mais...
Possa eu carregar essa chave por longos dias. E
possa eu contar essa história a outras pessoas, para que possam refletir
sobre a sabedoria que encerram as palavras do senhor Exú da Capa Preta.
Salve o Senhor e a sua banda!
Laroyê Exú!