Qual a relação entre a umbanda e as mensagens espirituais ditadas pelos Mestres
da Luz? Quem são os Mestres da Luz e como eles se encaixam na tradição
umbandista?
Os Mestres da Luz são espÃritos mentores da umbanda; são regentes de grandes
linhas espirituais, ainda que eles não se apresentem formalmente. Mas regem as
gigantescas correntes de espÃritos e, através dessas psicografias, eles têm
procurado passar noções sobre o mundo espiritual.
Quais noções?
Principalmente, eles procuram transmitir às pessoas que a vida não se encerra
aqui no plano material, por isso é necessário que a pessoa vigie os seus atos,
seus sentimentos, e trabalhe para que, quando vier a passagem para o outro
lado, a pessoa esteja bem preparada para vivenciar a sua realidade maior, que é
a realidade do espÃrito. Então, eles têm uma finalidade. Os livros à s vezes
mostram determinados eventos, determinadas vivências, que muitos classificam
como sendo um pouco chocantes, porque mexem na ferida mesmo, sem muito rodeio;
mas tudo isso visa despertar nas pessoas uma conscientização.
O que é considerado chocante?
Quando se descrevem algumas quedas espirituais que aconteceram com pessoas. O
desencarne jogou essas pessoas de encontro a uma realidade que elas achavam que
não existiria; achavam que não teria aquela punição divina, que não viria para
ela uma sentença que a jogasse de encontro ao próprio universo sombrio que ela
havia criado à sua volta aqui na Terra.
Então, de acordo com essa visão, existe uma estrutura maniqueÃsta do mundo
muito próxima à que a moral cristã vem desenvolvendo nos últimos dois mil anos?
A moral cristã prega o seguinte: se você faz o bem, você vai para o céu; se
você faz o mal, você vai para o inferno. Ela está correta, só que temos de
entender o que é esse céu e esse inferno. Para nós, o céu são as faixas de luz
para as quais cada um é atraÃdo por afinidade de sentimentos, afinidades
vibracionais; e o inferno também são faixas especÃficas da Criação, para as
quais são recolhidos espÃritos que, aqui em cima, no plano material, não
desenvolveram sua consciência. Se nós simplificarmos, está correto. A pessoa é
atraÃda pelas faixas vibratórias com as quais tem afinidade. Esse é o céu e o
inferno para mim - e dentro da umbanda também é isso.
Seria semelhante às teorias das sintonias dos grandes mestres ascensionados,
com as pessoas sintonizadas com faixas de mais ou menos luz?
É isso mesmo. Essa é uma consciência que está se desenvolvendo muito
rapidamente dentro da umbanda e sendo bem aceita, porque nos explica o porquê
da existência do suposto inferno: ele não existe por acaso, porque tem a
finalidade de recolher espÃritos que, de uma forma ou de outra, sofreram
regressões conscienciais quando passaram
pela carne.
Qual o ponto em comum entre aumbanda, o candomblé e o espiritismo hoje?
O ponto em comum das três é a manifestação dos espÃritos através da
incorporação das mensagens, ainda que no candomblé a dinâmica seja um pouco
diferente da dinâmica da umbanda, e totalmente diferente da dinâmica do
espiritismo. A umbanda mantém a ponte de contato tanto com o candomblé quanto
como espiritismo. Todas essas três doutrinas, ou essas três religiões -vamos
colocar assim - têm como ponto em comum a mediunidade como sustentação. No
candomblé, tem de haver a manifestação do orixá; na umbanda, tem de haver a
manifestação dos espÃritos e, eventualmente, do orixá do médium; e no
espiritismo, existe a manifestação das entidades e o trabalho desenvolvido
pelos espÃritos que incorporam nos médiuns, curando e orientando as pessoas -
tudo visando 0 crescimento e a melhoria do ser.
Como você encara, na umbanda e no candomblé, prática de sacrifÃcios animais,
principalmente com relação ao conhecimento que os Mestres de Luz vêm trazendo?
Quando estudamos um pouco o candomblé, vemos que o sacrifÃcio animal tem uma
função especÃfica já tradicional, secular. Então, nada contra, porque é algo
que já vem de gerações. A umbanda não adota sacrifÃcios de animais. Algumas
pessoas que transitam tanto no candomblé quanto na umbanda fazem, mas a umbanda
em si não adota sacrifÃcios animais. Ela não condena. Acho que cada um tem o
seu processo de feitura de trabalhos, sua dinâmica, que deve ser respeitada. No
verdadeiro candomblé, o sacrifÃcio só é ritualizado em ocasiões muito especÃficas,
mas vemos pessoas não-preparadas desvirtuando, desenvolvendo métodos próprios
que consideram que para tudo tem de haver sacrifÃcios. Os verdadeiros
praticantes do candomblé, pessoas muito bem preparadas, dizem que o sacrifÃcio
é muito raro e, mesmo assim, é tirado só o axé do animal, porque o alimento é
compartilhado na ceia coletiva.
Como é a estrutura tradicional da umbanda, e que caminhos evolutivos ela
está seguindo nos últimos anos?
A estruturação da umbanda começou por volta de 1908, com o médium Zé Fernandino
de Moraes, quando, através dele, foi dito que estava se iniciando uma religião
e que todos os espÃritos seriam bem-vindos a ela. A faculdade de incorporação é
anterior à umbanda, candomblé e espiritismo, mas ali estava o marco inicial,
estruturado na manifestação dos espÃritos por nomes simbólicos, tal como o
próprio fundador da religião, o espÃrito chamado Caboclo das Sete
Encruzilhadas, os sete cruzamentos, as sete irradiações. Os espÃritos se
manifestariam não com nomes próprios, mas como sÃmbolos das hierarquias à s
quais estavam ligados, entre caboclos, pretos velhos, crianças, exus.
Ela se expandiu muito rapidamente, porque tinha o amparo do Astral, e se
estruturou assim: o espÃrito se manifesta, auxilia o encarnado que vai até ele
e, ao mesmo tempo, vai passando uma doutrina de vida, de melhoria de
consciência. Com aquele linguajar simples deles, bem direto e objetivo, eles
vão tocando nos pontos que interessam àquela pessoa e, a partir dali, a pessoa
vai despertando para a realidade do espÃrito. Então, a religião procura
trabalhar as pessoas. Sua estrutura tem o objetivo de resgatar as pessoas para
a realidade espiritual. Não é um processo rápido, violento, mas um processo de
atração permanente, principalmente voltado ao ser humano que está passando por
dificuldades.
Como você começou a psicografar? Já havia psicografia na umbanda?
Se existia a psicografia pura, eu não tenho elementos para falar sobre isso.
Existiam muitos escritores de umbanda desde o começo do século. Eles poderiam
estar escrevendo inspirados, mas sem dar essa conotação. Quando eu iniciei a
psicografia - com alguns livros que foram publicados e outros que não foram - e
quando surgiu O Guardião da Meia-Noite, que foi um marco na umbanda como
psicografia de um médium umbandista, isso foi um pouco assustador porque a
psicografia estava associada ao espiritismo, ao kardecismo. Na época, eu recebi
crÃticas de irmãos kardecistas; pois, se eu era da umbanda, como é que podia
psicografar? Médium é médium, seja da umbanda, candomblé ou espiritismo - não
importa a doutrina que ele siga. Eu mostrei que o dom da pessoa independe da
formação religiosa; tendo o dom, ela canaliza o que o astral quer. Um tem dom
para psicografar, outro para fazer pinturas mediúnicas, dar consultas, ler as
cartas, as mãos...
E hoje isso já é aceito? Existem outros trabalhos desse tipo?
Já. Quando o Pai Benedito se manifestou, incorporado mesmo em mim, e conversou
com a minha esposa, ele disse que estava começando a psicografia na umbanda,
que a espiritualidade estava iniciando um processo de psicografia nos moldes do
kardecismo através de médiuns dentro da umbanda. Ainda estava sendo considerado
um fenômeno, mas com o tempo outros surgiriam. E, de fato, passaram uns cinco
ou seis anos depois de eu estar psicografando, e outros médiuns da umbanda
começaram a chegar a mim e dizer que estava acontecendo a mesma coisa; estavam
psicografando livros e até tinham medo de falar. Pai Benedito falou que muitos
espÃritos estão preparados para trazer romances mediúnicos, histórias sobre
espÃritos ou vivenciadas há séculos ou milênios, tendo como fundo a vida de
espÃritos que são grandes mentores da umbanda e que comandam um trabalho imenso
em benefÃcio da humanidade. Eu já conheço dezenas de pessoas que estão psicografando,
médiuns desenvolvidos dentro da umbanda.
Fale um pouco sobre o trabalho espiritual que você vem desenvolvendo
ultimamente.
Estou desenvolvendo vários trabalhos paralelos, todos visando o crescimento das
pessoas. O mais marcante tem sido o trabalho de magia, porque nela nós não
diferenciamos as pessoas, nem por seu grau escolar, nem por sua religiosidade.
A magia é neutra e praticada por todas as pessoas que queiram aflorar o seu dom
Ãntimo. Outro campo em que venho desenvolvendo um trabalho muito grande é na
teologia da umbanda. Comecei esse trabalho mais ou menos em 1996, e foi difÃcil
falar nisso porque era uma coisa inédita até então - nem existia esse termo na
umbanda. É outra inovação que, hoje, muitas pessoas já estão usando na umbanda,
com cursos de teologia da umbanda, ou seja, o estudo do universo divino. Ele
veio ao encontro da necessidade do momento dentro da religião, e está começando
a gerar muitos trabalhos.
Também visa dotar a religião de um conhecimento próprio dela, não mais dependente
de outras doutrinas, sem precisar buscar lá fora e adaptar para a umbanda. As
pessoas não precisam buscar no espiritismo ou no candomblé a explicação para os
mistérios que fluem através de sua prática religiosa.
Em várias estruturas religiosas, em especial as afro-brasileiras, parece
existir uma forte tendência a tentar adaptar a linguagem mágica européia do
perÃodo renascentista - mais recentemente, das vertentes americanas ligadas aos
mestres ascensionados e agregar essa linguagem à sua religiosidade. Como você
vê essa situação em seu trabalho?
A teologia que estamos desenvolvendo é pura, fundamentada unicamente nos
orixás, sem recorrer às doutrinas alheias para extrair de lá a explicação dos
mistérios. Houve a revelação do que nós classificamos como os fatores de Deus,
as qualidades divinas. A partir daà foram desenvolvidos vários livros como a
Gênesis da Umbanda, Código de Umbanda, Sete Linhas de Umbanda, Orixás
Ancestrais, livros que, fundamentados no mistério orixá, explicam tudo que a
pessoa precisa saber sem recorrer ao candomblé, ao espiritismo ou a qualquer
outra doutrina.
O mistério orixá começou a ser explicado de uma forma que eu chamo de
cientÃfica, porque ela tem uma lógica, segue um padrão repetitivo, explicando o
mistério para a época em que vivemos. E isso é o que traz às pessoas a
satisfação quando estudam teologia, porque explica o universo divino de uma
forma muito ordenada, não mitológica, mÃtica ou mÃstica, mas racional. Isso,
somando-se à magia, criou todo um universo que completa a umbandista, porque a
umbanda é uma religião mágica por excelência.
O trabalho dos guias espirituais é realizar magias que beneficiem as pessoas,
magias que utilizam elementos da natureza, sejam ervas, flores, frutos, pedras,
sementes ou raÃzes: tudo é elemento mágico que eles utilizam para curar
pessoas, limpar ambientes, etc. Então, trouxemos também uma magia nova, cada
etapa fundamentada em um elemento: magia das chamas, magia das ervas, magia das
pedras, do pó, etc. São vinte e um graus no total, e tudo vai sendo explicado
de forma racional. A nossa teologia é bem racionalista; estuda os mistérios de
Deus a partir de uma interpretação trazida pela espiritualidade, uma
interpretação superior, não criada aqui pela nossa mente terrena. A magia não
está conectada diretamente à umbanda; a teologia sim, foi pensada pela
espiritualidade, pelos Mestres da Luz, para religião de umbanda, mas é uma
fonte de informações pra qualquer pessoa.
E, de uma forma geral, como você vê o desenvolvimento do espiritualismo
hoje?
O espiritualismo sempre foi praticado pela humanidade sob muitos nomes, mas
hoje em dia eu vejo o espiritualismo assumindo o seu lugar em função do próprio
relaxamento dos preconceitos. Tivemos um perÃodo de perseguição à s práticas
espiritualistas, qualquer que seja o nome que se dê a essas práticas.
Hoje o espiritualismo tem uma grande oportunidade de se firmar como alternativa
para evolução das pessoas. Se cada religião tem os seus dogmas e doutrinas, até
fazendo com que o fiel desenvolva dentro de si determinados preconceitos contra
outras religiões, o espiritualismo é irreligioso.
O espiritualismo seria a chave do processo evolutivo humano neste plano?
Com certeza, porque dando às pessoas a oportunidade de manifestar os seus dons,
dons dos espÃritos, é que essas pessoas vão encontrar a si próprias, vão se
conhecer. Os dons dos espÃritos têm de ser vivenciados aqui na carne. Em
determinados segmentos religiosos esses dons são reprimidos e vistos como
coisas demonÃacas, mas essas pessoas não entendem nada de dons. Dom é uma
qualidade que o espÃrito desenvolve e que se torna um meio para que todo um
universo oculto flua através dele, um universo espiritual, divino. O
espiritualismo tem a grande oportunidade, agora, de não se deixar levar pelas
influências do dogmatismo. O dogmatismo mata tudo.
Qualquer dogma mata uma estrutura religiosa?
Mata, porque se as pessoas começam a dizer que só um dom é aceitável e os
outros não, que a pessoa pode incorporar um guia espiritual mas não pode
psicografar, ou pode psicografar mas só pode falar de Jesus (pois, se falar de
um orixá ou caboclo é heresia), então já matou. É isso que faz o espiritismo.
Com todo o respeito que eu tenho, o espiritismo dogmatizou a mediunidade de
psicografia, porque só se pode falar de Jesus. Se um médium kardecista encostar
um espÃrito que não professe, ou não professou o cristianismo em sua última
encarnação, e não fale as verdades na linguagem ali codificada, ele é
bloqueado.
Nós não devemos deixar que esses dogmas existam dentro da umbanda. O dom é meu,
eu conquistei. Sei lá quantas vidas eu precisei viver aqui na Terra para
desenvolver esse dom e, se hoje ele flui naturalmente, eu não vou dizer que só
tenho de escrever sobre orixás. Em meus livros escrevo sobre tudo. Em A
Princesa dos Encantos falo sobre o nascimento do hinduÃsmo, em O Livro da Vida
falo sobre Akhenaton; e falo sobre o surgimento dos templários na Europa, do
inÃcio da civilização egÃpcia, etc.
O importante é o que esse espÃrito viveu no passado. Pouco importa se esse
espÃrito de hoje se manifesta na umbanda com o nome simbólico de caboclo tal,
se o grande momento dele, sua grande experiência humana foi na Ãndia, no Egito,
na Mesopotâmia, na Europa ou no Brasil pré-cristão. EspÃrito não tem
identidade.
Você gostaria de deixar alguma mensagem para as pessoas que estão se
iniciando nesse caminho espiritual, não só da umbanda mas na espiritualidade de
uma forma geral?
Na espiritualidade de uma forma geral, todas as vias de crescimento para o ser
humano, colocadas por Deus à nossa disposição, são boas.
Eu não desenvolvi dentro de mim esse preconceito de que a minha é melhor, a do
fulano é pior; para mim, todas são boas. Então, eu digo às pessoas, que queiram
se iniciar ou estão se iniciando, que façam sua caminhada sem temor. Confie que
tudo está sendo conduzido pelo Superior. Mas procure se instruir; procure
aprender e não colocar bloqueios dentro de si mesmo, contra isso ou aquilo, mas
sim ir até cada coisa e aprender sobre ela, e delas extrair o seu juÃzo, a sua
experiência, porque isso é que vai contar.
RUBENS
SARACENI
Revista Sexto Sentido
Número 30
Páginas 06-11