Falar de Umbanda e Quaresma é um tema instigante e polêmico na
medida em que a Quaresma, em si, não é ritual que faça parte de nossa religião.
No entanto, em virtude do sincretismo religioso, muitas casas umbandistas
adotam esse perÃodo como época de fechar a Casa e suspender o atendimento de
consulentes e prática da caridade.
Esse fator histórico teve origem durante o Brasil
Colonial, quando os senhores de engenho e de escravos tendo como base suas
crenças na Igreja Apostólica Romana, durante a quaresma adotavam a prática de
cobrir suas imagens e fechar suas Igrejas, entrando em introspecção pelo
perÃodo representativo da caminhada de Jesus pelo deserto.
Pelo fato dos escravos serem obrigados a esconder seu
culto aos Orixás através do sincretismo, convencionou-se que durante a quaresma
como não havia culto aos santos católicos, também não havia culto aos Orixás,
passando com o tempo a Umbanda a incorporar essa tradição, baseando algumas
casas a explicação no fato de que durante a quaresma os espÃritos de luz e
entidades de Umbanda afastam-se do plano Terra, razão pela qual as casas
umbandistas ficariam impossibilitadas de praticarem a caridade.
Era assim que os Terreiros fechavam na gira que precede
o Carnaval, cruzando seus filhos com pemba e com cinza, a fim de proteger a
todos dos fluidos negativos e espÃritos inferiores que circulavam pelo ambiente
astral do planeta, só reabrindo na Sexta-Feira Santa com a cerimônia do amaci e
batismo. Fechava-se o Congá com cortinas, e cobriam-se as imagens com panos
brancos ou roxos, conforme a tradição católica.
A palavra Quaresma vem do latim quadragésima e é utilizada
para designar o perÃodo de quarenta dias que antecede a festa ápice do
cristianismo: a ressurreição de Jesus Cristo, comemorada no famoso Domingo de
Páscoa. Esta prática data desde o século IV. Cerca de duzentos anos após o
nascimento de Cristo, os cristãos começaram a preparar a festa da Páscoa com
três dias de oração, meditação e jejum. Por volta do ano 350 d. C., a Igreja
aumentou o tempo de preparação para quarenta dias. Assim surgiu a Quaresma.
Na BÃblia, o número quatro
simboliza o universo material. Os zeros que o seguem significam o tempo de
nossa vida na terra, suas provações e dificuldades. Portanto, a duração da
Quaresma está baseada no sÃmbolo deste número na BÃblia. Nela, é relatada as
passagens dos quarenta dias do dilúvio, dos quarenta anos de peregrinação do
povo judeu pelo deserto, dos quarenta dias de Moisés e de Elias na montanha,
dos quarenta dias que Jesus passou no deserto antes de começar sua vida
pública, dos 400 anos que durou a estada dos judeus no Egito, entre outras.
Esses perÃodos vêm sempre antes de fatos importantes e se relacionam com a
necessidade de ir criando um clima adequado e dirigindo o coração para algo que
vai acontecer.
As celebrações da quaresma têm inÃcio no Domingo de Ramos,
ele significa a entrada triunfal de Jesus, o começo da Semana Santa. Os ramos
simbolizam a vida do Senhor, ou seja, Domingo de Ramos é entrar na Semana Santa
para relembrar aquele momento. Depois, celebra-se a Ceia do Senhor, realizada
na quinta-feira santa, conhecida também como o lava pés. Ela celebra Jesus
criando a eucaristia, a entrega de Jesus e, portanto, o resgate dos pecadores.
Depois, vem a celebração da Sexta-feira da Paixão, também conhecida como
sexta-feira santa, que celebra a morte do Senhor, às 15 horas. Na sexta à noite
geralmente é feita uma procissão ou ainda a Via Sacra, que seria a repetição
das 14 passagens da vida de Jesus. No sábado à noite, o Sábado de Aleluia, é
celebrada a VigÃlia Pascal, também conhecida como a Missa do Fogo. Nela o CÃrio
Pascal é acesso, resultando as cinzas. O significado das cinzas é que do pó
viemos e para o pó voltaremos, sinal de conversão e de que nada somos sem Deus.
Um sÃmbolo da renovação de um ciclo. Os rituais se encerram no domingo, data da
ressurreição de Cristo, com a Missa da Páscoa, que celebra o Cristo vivo.
Essa é a seqüência de atos perpetrados pela Religião
Católica nos rituais que envolvem a quaresma e a Páscoa. Dessa forma, por mais
que esses hábitos estejam arraigados em nossa cultura, devemos ter em mente que
essas práticas são católicas, não pertencendo à Umbanda.
Para nós umbandistas o que importa é que nossa casa deve
estar aberta para atendimento àqueles que necessitam do socorro espiritual de
nossos guias e entidades. Pelo fato de ter se convencionado que a quaresma é um
perÃodo onde as entidades superiores não trabalham, acaba sendo criado um
ambiente propÃcio à instalação de energias deletérias e nocivas, próprias de
espÃritos atrasados espiritualmente. É por força, portanto dessa mentalização e
crendice popular que necessitamos da proteção, amparo e esclarecimento das
entidades que nos guardam e às nossas casas umbandistas. Não pode haver pausa
no socorro espiritual, uma vez que aqueles que praticam o uso de energias
negativas não tiram férias.
Temos que compreender, aprender e praticar melhor nossa
religiosidade, sem nos deixarmos influenciar pela religiosidade e costumes
religioso de outras religiões.
“A tradição de se fechar
os Templos de Umbanda quando não havia liberdade de crença, não tem razão de
ser no mundo atual. Muito ao contrário, é nessa época que NÃO DEVEMOS PARAR, é
nessa época em que a quimbanda maligna trabalha à vontade, que o Templo deve
estar preparado para, com o auxÃlio das Entidades de Luz, denunciar qualquer
trabalho negativo que tenha sido feito para atrapalhar seus Filhos de Fé ou
freqüentadores. Atualmente, interromper os trabalhos do Templo na Quaresma é
descabido, é ingenuidade, é desconhecer que os inimigos trabalham nas trevas e
que, se não temos o Preto-Velho, o Caboclo ou qualquer entidade que possa nos
avisar do mau feito, estaremos desprotegidos, descobertos, ou seja, nas mãos
dos inimigos. É preciso URGENTEMENTE esclarecer que a Quaresma não é Afro, é
hebraico-europeia, e que já não é preciso se esconder de ninguém, pois nossa
Constituição nos assegura o direito à liberdade de crença e os padres já não
podem mais nos queimar nas fogueiras da inquisição. Por isso, vamos abrir
nossos Templos de Umbanda na Quaresma e cuidar com amor dos nossos Filhos de
Fé. (Babalaô Ronaldo Antônio Linares - Federação Umbandista do Grande ABC)”
Autor: Lara Lannes